sábado, 29 de dezembro de 2007

Bom ano de 2008 (Com reservas)


Dentro do percurso de um destinador-julgador, a sanção cognitiva ou interpretação esperada permite construir um simulacro verdadeiro para a chuva, já que não pode haver no plano narrativo nenhum espaço para dúvidas veridictórias: uma chuva natural é sempre chuva, ela parece e é…chuva! Não há mentiras na natureza. Um outro ponto de interesse, que o estudo detalhado de uma semântica narrativa aplicada ao discurso de Sócrates e seus lacaios pode revelar, diz respeito à produção de efeitos afectivos ou passionais. As paixões, do ponto de vista da semiótica, entendem-se como “efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito de estado”.
Numa narrativa, o sujeito segue um percurso, ou seja, ocupa diferentes posições passionais, saltando de estados de tensão e de disforia para estados de relaxamento e de euforia e vice-versa. De certo modo, a narrativa informal,faz com que o nosso ouvido oscile com um acorde perfeito de um sol. (nota musical)
Há, no entanto, mais do que isso: tanto o trecho comentado quanto, extrapolando, a própria peça como todo, parecem propor a todo ouvinte que os ouça numa interpretação digna – especialmente em execuções ao vivo. (Leia-se discursos para português ver e/ou ouvir) –, uma constante indagação pelo significado de cada um dos seus passos. A peça desperta no ouvinte um interesse específico por um plano de conteúdo que seria o coordenador da manifestação daquilo que pode ser descrito na superfície expressa. Se a referência pura e simples a um movimento estético ou a um estilo muitas vezes afasta a responsabilidade de tentar compreender a obra em si mesma – por não estar, na maioria das vezes, conectada a uma amostragem suficientemente completa das obras abordadas de uma forma algo insípida, mas sempre, sempre mentirosa, facilmente podemos concluir que Sócrates e a pandilha que o rodeia dificilmente nos deixarão ter um ano melhor do que este que agora chega ao fim. Efectivamente nada a esperar do ano de 2008 em termos colectivos, a não ser maiores discrepâncias entre ricos e pobres, entre ter ou não ter saúde para todos, mergulhar ou não em estados miseráveis, sempre a coberto de pretensas políticas sociais.
Resta o individuo, cada um de nós, que com um pouco de sorte pode aspirar a uma mudança para melhor. Partindo do princípio que todos chegaremos ao fim de 2008, fica sempre a interrogativa: “será este o meu ano?”, e esta fé inabalável confunde-me e deslumbra-me a um tempo.
Talvez seja a altura de me juntar aos seres de fé inabalável e acreditar que 2008 pode ser para alguns de nós um pouco melhor. Com ou sem Sócrates ou outro imbecil qualquer que tudo fazem para que as esperanças dos portugueses não passem disso mesmo.
A todos e a todas que passam por este modesto espaço, o desejo de que o novo ano seja o vosso/nosso ano.


sábado, 22 de dezembro de 2007

Fuga insana


…mas partis[te] interrompendo a noite de lua cheia, o cheiro da terra regressando à terra, o aroma de [ti] partindo rumo a sul e ao solo húmido onde despontam pequenos pontos verdes, resquícios de [ti] salpicados de olhares furtivos e fugazes.
Na tua página rosa as pétalas esmaecem e sucumbem à fuga insana. [Foges de ti talvez com a esperança fútil de renasceres dessa terra que engole cheiros, sepulta dores e homens, devolve vidas a bel-prazer e se multiplica nos pequeníssimos grãos quase negros furados de baixo para cima pelas inusitados pontos verdes a emprestarem à paisagem sensações erráticas de ilimite.]

Ou a fuga insana para os braços de.
Ou ainda o apertar dos braços em torno de um tronco perfeito – quase árvore – o peito interrompido por dois pontos acastanhados e duros por debaixo do decote generoso, arfando, ganhando vida própria, desejando o toque.
Agora importa recuperar da terra quase negra os cheiros que rouba a si mesma e aos outros, o aroma intenso de ti que foge rumo a sul e ao solo húmido.
O vestido – amarrotado – ganhou vida e as flores estampadas subtraem-se ao tecido pejando o chão - quase negro e quase puro - de pétalas multicolores, e [tu]… e tu voas [te] nesse vestido – amarrotado - de balão de ar quente rumo às duas luas em oposição circunspectamente exactas. No cerrar de ambas, o leito onde permanecemos deitados num frente-a-frente surpreendente e numa angulosidade de cento e oitenta graus. Impossível o toque. Só os olhos se penetram em desespero de causa.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Breves reflexões


A implosão espectacular da esquerda, cujo inicio podemos situar – ou pelo menos época em que se agudizou – com o fim do ciclo “União Soviética” e que marcará por muito tempo a crise que se vive neste lado do espectro político, não se deve somente à corrupção generalizada que caracterizou muitos dos sistemas a Leste – aliás, bem marginal, nos dois sentidos –, mas à incapacidade da esquerda em se enquadrar nos novos tempos. Cristalizada e presa de dogmas inultrapassáveis – bem ao jeito da Igreja católica –, vê-se confrontada com o seu próprio fim – perdida na hecatombe do desmoronamento da era soviética – se não forem encontradas soluções imaginativas, bem de acordo com o tempo e a contemporaneidade. Os partidos da esquerda tradicional, fechados sobre si mesmos foram-se tornando partidos deles próprios, e de uma classe envelhecida e de olhar obtuso, girando em falso, como todas as burocracias, na medida em que as suas bases sociais foram derretendo ao sol da reestruturação produtiva do capitalismo.
A classe operária – antes a base de apoio – perdeu o poder de veto, e na verdade desapareceu para dar lugar a uma classe média baixa, mas, que apesar de tudo, começa a ter acesso a bens de consumo impensáveis ainda não há muito tempo.
A burguesia política e a burguesia económica conspiram livremente em conjunto com o grande capital, com o intuito óbvio de provarem a incompetência do povo pobre em criar partidos de massas por conta própria, em organizar-se como classe através da sua luta emancipatória.
É o fim de linha da corrosão conjunta das classes fundamentais, gravitando por intermédio dos seus respectivos aparelhos partidários em torno de um Estado concentrado na tarefa exclusiva de extorquir a riqueza produzida, paradoxalmente por uma sociedade assustadoramente empobrecida e, por isso mesmo, controlada por políticas focalizadas de administração das suas zonas de vulnerabilidade e risco.
Quem acompanhou com a devida atenção as grandes implosões – entre outras, o abandono dos pobres de New Orleans –, ou os subúrbios incendiários franceses ardendo durante semanas, talvez encontre matéria para reflexão e comparação. As novas segregações espaciais, ocupacionais e raciais que retalharam as conturbações ingovernáveis de hoje não encontram eco na dita classe operária e muito menos nos partidos que se assumem de esquerda; na insurreição dos operários parisienses em 1848, as revoltas de classe giravam em torno do espaço de trabalho. No entanto, a rebelião actual das periferias francesas, onde se acumulam desemprego, racismo e desespero, veio confirmar a percepção de que a cidade definitivamente conflagrada passou a desempenhar o papel detonador antes reservado às fábricas.

Uma liderança clássica do marxismo revolucionário, lembrando que a revolta dos subúrbios se apresenta numa ordem dispersa de violência, recomeçada do mesmo ponto noite após noite, tem que admitir que noutros tempos o movimento operário seria uma alternativa a essas explosões de fúria social. Só que hoje, e não por acaso, entra calado e sai mudo de toda a crise, com o estado de emergência decretado e tudo.
Por cá assistimos a fenómenos semelhantes a que não damos – ou não queremos dar – importância. Nas grandes urbes assiste-se à degradação das condições de vida – de resto extensível a todo o país com especial incidência nas zonas interiores já habituadas ao esquecimento e à miséria –, e ao crescer óbvio mas inevitável da criminalidade – “casa onde não há pão…” – combatida com medidas repressivas, em lugar de políticas de fundo que alterem as razões do descontentamento, medidas essas que semeiam a revolta, em lugar de procurar as causas e combatê-las; é neste cenário que a esquerda se mostra incapaz de se adaptar aos tempos, articulando a dialéctica ao novo status quo.

Interessante verificar o que se passa nalguns países latino-americanos, mormente na Venezuela onde Chávez não se assume como marxista, se confessa leitor compulsivo de Mao, mas recusa um e outro modelo, preferindo antes uma revolução pacífica e democrática tal como nós entendemos o termo.
O que temos então? Uma esquerda esclerosada, perdida nos dogmas de que não consegue afastar-se, arrastando na sua queda os mais desfavorecidos, com a conivência do sindicalismo, também ele a sofrer de doença incurável?
Repensar a esquerda como alternativa aos modelos neo-liberais torna-se, pois, uma necessidade inquestionável; mas tal só será possível com uma profundíssima reflexão e com o afastamento dos velhos lideres, presos algures num buraco do tempo.
A esquerda é humanista, ou devia ser, e não pode, nem deve sucumbir à avalanche descontrolada da burguesia emergente e do capitalismo selvagem sem preocupações sociais, para quem o homem não passa de uma mera peça na engrenagem maior da máquina do lucro.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

À falta de palavras


Percorre-se a vida num monocarril sentindo que o paralelo se afasta inexoravelmente numa curvatura contrária, inusitada, aberta, aberta, cada vez mais aberta, sem rumo certo, e que o nosso rumo - ou falta de? -, é conducente à morte certa sem que as travessas tenham importância, os fortes barrotes actuando como base do absurdo, também eles absurdos e inutilidades.
Ou o tal vestido de que falas – amarrotado – servindo de linha divisória entre duas partes quase simétricas do corpo, desenhando [te] contornos, e o impagável chapéu – preto? – agarrando alguns fiapos de cabelo que tentam escapar à prisão tão imprevista como a pequena rabanada de vento que [te] levanta o vestido mostrando pernas longas, perfeitas e belas.

Ou esse olhar sempre a negro devassando intimidade, desnudando alma, lendo pensamentos guardados a sete chaves, disfarçados num meio sorriso idiota – à falta de palavras – e inexpressivo que conjuga verbos que não existem, e se tece na inexistência da verbalização. Sobra o sonho.

Por exemplo: rosto colado ao vidro – lugar sentado junto à janela – observando as folhas mortas que esvoaçam ao passar da máquina infernal soltando bramidos aflitivos, a pequena estação que ninguém usa habitada por uma figura fantasmagórica munida de uma lanterna estranha, sem luz, e que a cada passagem repetida surge ainda assim na escuridão com estranho brilho, fantasma de outro fantasma, e estes, fantasmas deles mesmos, imagens projectadas de desejos e vidas...

Indiferente, o monocarril continua a sua viagem preso dos travessões, a linha obrigatoriamente (?) paralela afastando-se em estranha curvatura. Sem rumo certo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Sobre a moral e a ética

"Os conceitos de moral e de ética têm raízes semelhantes, mas ao longo da história ganharam sentidos distintos. A palavra moral vem do latim "mos" ou "mores", que significa “costume” ou “costumes”, no sentido de conjunto de normas adquiridas por hábito. A moral refere-se então ao comportamento adquirido ou modo de ser conquistado pelo ser humano, enquanto que o termo “ética” vem do grego “ethos”, que significa analogamente “modo de ser” ou “carácter”, enquanto forma de vida também adquirida ou conquistada pelo humano. Portanto, originalmente, "ethos" e "mos", “carácter” e “costume” são compreendidos como modo de comportamento que não é produzido naturalmente. É este aspecto “não natural” que, na Antiguidade, conferia ao ser humano a sua dimensão moral, uma espécie de segunda natureza. Mas hoje existem notáveis diferenças entre os dois conceitos.
A moral é uma forma de comportamento humano que inclui um aspecto normativo e um aspecto factual. Trata-se do objecto da ciência ética.
Embora a moral possua um caráter social, e o indivíduo desempenhe um papel essencial, mormente o de interiorizar as normas e deveres aprovados pela comunidade na qual se insere, de forma livre, consciente e íntima, sem coação, o acto moral (aspecto factual) é unidade indissolúvel dos aspectos ou elementos que o integram: o motivo, a intenção, a decisão, os meios e os resultados, e por isso o seu significado não se pode encontrar num só deles com exclusão dos demais. Mais, só existe evolução moral quando se processam mudanças históricas que permitem aos seres humanos pensar e agir, simultaneamente, com mais responsabilidade e com mais liberdade."

E se tudo isto – que estava no meu último post publicado no blog apagado criminosamente por alguém insano – é verdade, como classificar o acto ignóbil de alguém ter entrado numa caixa de correio electrónica e a ter usado para poder apagar um miserável blog que não incomodava ninguém?
O que justifica um acto tresloucado desses? Insanidade, maldade? – Não sei. Sei apenas que nem é tanto o blog que está em causa, mas sobretudo a invasão de um espaço que tinha memória, afectos, comentários que jamais recuperarei. É desses sobretudo que lamento a perda.

Parece-me claro que quem apagou o blog abusivamente leu este texto na íntegra mas dele não retirou nenhuma ilação. Lamento por ele ou ela.
Para os da casa, estou de volta. Com o prazer sempre renovado do reencontro.