sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

À falta de palavras


Percorre-se a vida num monocarril sentindo que o paralelo se afasta inexoravelmente numa curvatura contrária, inusitada, aberta, aberta, cada vez mais aberta, sem rumo certo, e que o nosso rumo - ou falta de? -, é conducente à morte certa sem que as travessas tenham importância, os fortes barrotes actuando como base do absurdo, também eles absurdos e inutilidades.
Ou o tal vestido de que falas – amarrotado – servindo de linha divisória entre duas partes quase simétricas do corpo, desenhando [te] contornos, e o impagável chapéu – preto? – agarrando alguns fiapos de cabelo que tentam escapar à prisão tão imprevista como a pequena rabanada de vento que [te] levanta o vestido mostrando pernas longas, perfeitas e belas.

Ou esse olhar sempre a negro devassando intimidade, desnudando alma, lendo pensamentos guardados a sete chaves, disfarçados num meio sorriso idiota – à falta de palavras – e inexpressivo que conjuga verbos que não existem, e se tece na inexistência da verbalização. Sobra o sonho.

Por exemplo: rosto colado ao vidro – lugar sentado junto à janela – observando as folhas mortas que esvoaçam ao passar da máquina infernal soltando bramidos aflitivos, a pequena estação que ninguém usa habitada por uma figura fantasmagórica munida de uma lanterna estranha, sem luz, e que a cada passagem repetida surge ainda assim na escuridão com estranho brilho, fantasma de outro fantasma, e estes, fantasmas deles mesmos, imagens projectadas de desejos e vidas...

Indiferente, o monocarril continua a sua viagem preso dos travessões, a linha obrigatoriamente (?) paralela afastando-se em estranha curvatura. Sem rumo certo.