segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Breves sobre a literatura


Apesar de um certo tom apocalíptico que paira em certos meios institucionais, a hipertextualização poderá vir a tornar-se um campo metodológico, tal como se tornou o próprio texto. E só aí, então, acontecerá a experimentação que a escrita constitui: indecibilidade do sentido e desafio às configurações inexploradas do heterogéneo. Enquanto dispositivo, a rede informática define-se por ausências de pontos nevrálgicos e nessa medida ela está muito próxima do texto-rizomático, ligando o heterogéneo, desierarquizando e deslinearizando, anonimizando e infinitizando o texto, operando conexões entre texto, imagem e sonoridade, permitindo a realização, na escrita, de técnicas como as da "enxertia", recontextualizando pedaços de textos, segundo a proposta derrideana; mas essa dimensão é tão-somente uma dimensão poética da própria escrita que se nos oferece ainda no campo ilimitado da exploração.
Do ponto de vista textual, quais são as contribuições que o hipertexto traz à literatura? O nascimento de uma “hipocultura?”
A focagem de uma tecnologia particular como o hipertexto permite apontar o teor das transformações da escrita e das suas incidências no literário. Como se sabe, o hipertexto não é, à partida, um dispositivo textual, como o são os procedimentos inter-textuais; digamos que a finalidade primeira do dispositivo hiper-textual é de natureza enciclopédica e não poético-literária. Com efeito, a passagem do texto impresso para o texto digital supõe uma sobrecodificação que tem por função estabelecer ligações – laços textuais – numa espécie de tratamento formal do texto, suportado por uma sobrecodificação e conjunto de regras que permitem a conexão entre os lugares/texto. Acrescente-se aos sistemas que suportam o hipertexto, a necessidade de uma cartografia dos textos, que muitas vezes corre em paralelo ao próprio texto, como carta de navegação e que, esta sim, será a arquitectura da narrativa, da autoria do seu autor/programador.

A liberdade situa-se ao nível do encadeamento de conexões, da actualização dessas mesmas conexões, dentro da virtualidade das possíveis. A programação que sustenta o texto torna-se uma visão antecipativa, uma pré-visão textual.
A literatura confundiu-se com o livro, e institucionalizou-se definitivamente com o romance, e a linearidade do texto impresso confunde-se de tal maneira com a sequencialidade narrativa que a finitude, a clausura do texto parecem óbvias.
O efeito de toda a narrativa é justamente o de fazer coincidir a causalidade com a sequencialidade tornando a temporalidade narrativa um factor de coesão textual. Organizando a sequencialidade temporal segundo um princípio de causalidade, as grandes narrativas criam um muthos – uma intriga – e um desenlace, de forma conferirem sentido ao mundo. Porém, fica a questão: se o mundo aparentemente carece de sentido, não será a literatura uma vítima desse sem-sentido? Se sim, porque não apostar definitivamente na perversão do conceito de livro, corrompendo as regras, que, em última análise, são castradoras da verdadeira liberdade criativa?


ADENDA:


A Ana do blog "morethanwords" resolveu, imerecidamente atribuir-me um prémio; registo o facto como uma gentileza e agradeço/a/lhe.
Não querendo quebrar a gentileza atribuo igualmente o prémio a todos e a todas os/as que vão passando por este humilde espaço.
Um grande bem-haja à Ana!