segunda-feira, 31 de março de 2008

Breves sobre o neo-realismo


Soeiro Pereira Gomes é, provavelmente, o introdutor do movimento neo-realista em Portugal através das letras, com a sua obra “Esteiros”, o livro “dos homens que nunca foram meninos”, mas Manuel da Fonseca, é, porventura o seu expoente maior; detenhamo-nos nos seus livros “O fogo e as cinzas” e “Tempo de solidão”, este último sobretudo, a exigir anotações feitas à margem do texto como prova imediata da resposta do leitor ao que lê, no que vulgarmente se chama diálogo entre o leitor e o livro. "Tempo de solidão" é desses livros que pedem anotações, sublinhados, comentários, debates e discussões. Se o público leitor/intelectual falha no processo de ampliação das ideias, idiossincrasias e opiniões, certamente que será julgado pelo “Tribunal da Honesta Inteligência” se essa postura for mantida. As resenhas passam, as ideias ficam. Os debates não podem ser encarcerados em comentários que podem ou não ajudar na venda de uma obra.
O leitor que há em mim não transige com períodos truncados, com o deslumbramento retórico que tenta demonstrar o que há de supostamente profundo no rústico e no banal.
“O fogo e as cinzas” é acima de tudo um livro que toca as questões políticas que afectam a cultura de um povo, perpassando por um Alentejo rústico mas real onde os homens se vergam ao peso dos hectares e dos silêncios feitos de fome, trabalho, miséria e esquecimento. Afinal, o espelho do Portugal actual e cinzento onde nem os raios de sol fazem esquecer o nacional-cinzentismo em que (sobre)vivemos.

Itália: pátria do neo-realismo.

A partir da actual revalorização do Neo-Realismo, é necessária uma análise das obras principais desse movimento nascido em Itália, que revelou cineastas do porte de Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, assim como de sua recepção crítica, sobretudo a que se deu na própria Itália. Para compreender melhor o movimento, a análise abarca desde a filmografia imediatamente anterior que anunciou traços estilísticos presentes nos filmes maiores do Neo-Realismo, indo até o período da sua dissolução. Enfatizar a permanência e a actualidade de algumas ideias-chave do movimento – identificadas pelos críticos, por exemplo, em filmes iranianos como os de Abbas Kiarostami – e a enorme influência que exerceu no desenvolvimento de diversas filmografias, é quase uma obrigação para o entendimento deste movimento claramente simpatizante das ideias de esquerda.
Ainda que dificilmente possamos encontrar no cinema português um filme claramente neo-realista, o movimento não passou ao lado dos amantes da sétima arte. A prová-lo está o nascimento dos cineclubes, responsáveis pela difusão do neo-realismo e pelo cinema claramente marcado pelo lápis de uma certa intelectualidade de cariz académico, como é o caso de uma grande parte da produção do cinema francês.
Se o neo-realismo tira a máscara a uma sociedade marcadamente decadente e a mostra aos olhos atónitos do leitor e/ou espectador, com a crueza da realidade onde miséria e grandeza se entrecruzam na vida simples dos operários do início do século XX, cumpriu então o seu papel, ainda que com um discurso marcadamente ideológico. Ou talvez pela coragem de ter introduzido o discurso ideológico.