terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Repositorium (A revolução de Chávez)


Resolvi esboçar um pequeno estudo sobre a revolução em curso na Venezuela dirigida por Chávez.
Sugiro a leitura de um livro imprescindível para o entendimento desta figura controversa, escrito por Marta Harnecker, psicóloga, escritora e jornalista chilena, cujo título é, “Hugo Chávez, um homem, um povo”.
Não é possível falar da Venezuela sem dar atenção especial ao papel do petróleo na economia deste país. Se antes da eleição de Chávez o petróleo inibia o desenvolvimento de outras actividades produtivas, com Chávez verifica-se uma mudança de rota, ao investir uma parte significativa do excedente gerado pelo petróleo na área social.
Chávez está a transformar o petróleo numa riqueza pública. Como seria de esperar, as elites económicas opõem-se como o provam a tentativa de golpe em Abril de 2002 e a constante instabilidade levada às ruas com o apoio dos Estados Unidos; trata-se claramente de uma tentativa desesperada de reeditar o Chile de Pinochet de forma a assegurar que a maior riqueza dos venezuelanos será espoliada em favor dos grandes grupos económicos apátridas, em detrimento dos programas sociais que estão a ser implementados na defesa dos mais fracos e oprimidos.


Quem é Hugo Chávez

Hugo Chávez Frías nasceu em Sabaneta, Edo, Barinas, no dia 28 de Julho de 1954. Filho de Hugo dos Reyes Chávez e Elena
Frías de Chávez (ambos professores).
Realiza os estudos superiores na Academia Militar da Venezuela, de onde sai, com o grau de Subtenente no dia 5 de Julho de 1975. Porém, a sua formação académica não se fica por aqui, e é igualmente formado em Ciências e Artes Militares. Levou a cabo os seguintes cursos militares: curso Básico de Comunicação, Escola de Comunicação e Electrónica das forças Armadas, no ano de 1975; ocupou o terceiro lugar entre 25 alunos. Curso de Blindados do Exército, no ano de 1979; primeiro lugar entre 25 alunos. Curso Avançado de Blindados, em 1983; primeiro lugar entre 32 alunos. Curso de Comando e Estado-Maior, Escola Superior do Exército, em 1991-92. Também participou do Curso Internacional de Guerras Políticas, na Guatemala, 1988. Mestre em Ciências Políticas realizado na Universidade Simon Bolívar, nos anos de 1989-90.
É autor de variados contos e poesias. "Voltem Caras", "Maurício", "O Génio e o Centauro" (obra teatral que ganhou o terceiro prémio de Teatro Histórico Nacional) em Cañafístola, 1987.
É autor de numerosas obras de artes plásticas, como "Sombra de Guerra no Golfo" (1980) No dia 17 de Dezembro de 1982, baixo a sombra do Samán de Güere, capa o Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR-200). É co-autor do Projecto de Governo de Transição para o dia 4 de Fevereiro (1991). Autor do Anteprojecto Nacional Simon Bolívar (1991).
Comandante da Operação Militar Ezequiel Zamora, Rebelião Militar do 4 de Fevereiro (1992). Co-autor da proposta "Como sair do Labirinto", feito na Prisão de Yare (1992). Fundador do Movimento V República.
Em Dezembro de 1998, Hugo Chávez torna-se, num acto democrático, presidente da República e em Fevereiro de 1999 assume a primeira Magistratura e promete uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição. Em Dezembro desse mesmo ano (1999) o povo venezuelano, chamado a pronunciar-se em referendo, decide-se pela aprovação da nova Constituição Bolivariana da Venezuela, por larga maioria.
Sublinhe-se o facto normalmente “esquecido” de Chávez ter chegado à presidência através de actos eleitorais que os observadores internacionais classificaram como “legítimos”.
Hugo Chávez iniciou já a campanha pelo "sim" no referendo sobre a reforma constitucional que visa instituir o "socialismo bolivariano”.
O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) é constituído por 21 formações que apoiaram a reeleição de Chávez.
A resistência do Partido Comunista da Venezuela (PCV) – porque não me admiro? -, confirma a tendência quase doentia que os Partidos comunistas têm por aquilo a que vulgarmente designam por “aventureirismo”, mas que apenas reflecte o medo do desaparecimento ante a demonstração inequívoca de apoio da grande maioria do povo Venezuelano ao regime de Chávez.
Lá como cá, o Partido Comunista trava as revoluções em lugar de as executar.


Breve historial da Venezuela

A Venezuela foi o primeiro local do Continente Americano pisado pelos descobridores espanhóis, uma vez que, nas viagens anteriores, se tinham ficado pelas Ilhas das Caraíbas, tais como Santo Domingo e Porto Rico.
A partir daí começou a época mais obscura da Espanha colonial, devido à radicalidade com que a Igreja conduziu a colonização, querendo evangelizar todos os aborígenes à força e convertê-los em cristãos, um objectivo que foi acompanhado pelo saque em busca de jóias, pérolas ou qualquer outra coisa que pudesse significar riqueza. Foram dois séculos de derramamento de sangue devido à resistência que os indígenas ofereceram à intolerância da Igreja Católica e à ocupação espanhola.
A Venezuela anuncia a sua independência em 1810, sem que Fernando VII de Espanha pudesse fazer nada para a impedir, mas esta só é reconhecida pela comunidade internacional em 1845, mercê das pressões espanholas e do apoio das outras potências coloniais.
Simón Bolívar, que após derrotas e vitórias, consegue entrar em Caracas, triunfante, em Agosto de 1813 institui aquilo que agora Chávez tenta reeditar: uma Nova República na Venezuela.

Hugo Chavez acelera reforma agrária

O plano de Chavez para distribuir terra entre os camponeses pobres prevê a nacionalização de grandes ranchos subutilizados sem compensação, pois de acordo com ele essas áreas produtivas devem ser utilizadas para o bem da comunidade.

As propostas de reforma constitucional e de estatização dos sectores de energia e telecomunicações do presidente venezuelano tendem a democratizar o poder naquele país.
Durante o discurso de posse do seu terceiro mandato como presidente da Venezuela, Hugo Chávez afirmou que iria rever a divisão político-territorial do país. Ao mesmo tempo, Chávez pretende igualmente mudar a estrutura do governo, criando comissões temáticas para debater, junto com movimentos sociais, questões sobre terra e água, entre outras.

Nesse sentido, a reforma constitucional proporcionará maior espaço às organizações populares nos comités de cooperativas, de terras e de água, democratizando a participação da população no governo, enquanto que a blindagem da economia interna irá dar prioridade ao desenvolvimento do país sem pedir dinheiro ao Fundo Monetário Internacional, o FMI.

A "blindagem" da economia venezuelana, será garantida em boa parte pela estatização de sectores essenciais, como o da energia eléctrica e das telecomunicações. A nacionalização de empresas como a Companhia Autónoma Nacional de Telefonia da Venezuela (CANTV) e a Empresa de Electricidade de Caracas são disso exemplo; o controle estatal sobre projectos petrolíferos na região da bacia do rio Orinoco, são igualmente uma forma de devolver a Venezuela aos venezuelanos, sobretudo aos mais desfavorecidos.

Um Panorama das missões

Diversas Missões foram criadas pelo Governo de Chávez. O impacto positivo destes “planos sociais” é amplamente positivo para amplos sectores populares e para uma boa parte da classe média. O programa de Saúde Barrio Adentro é um dos mais famosos. Nesse plano, os médicos, cubanos na sua grande maioria, realizam consultas diárias e permanecem em estado de prontidão durante as 24 horas do dia nas regiões mais pobres do país. Na área de educação, o plano abrange três frentes: a Missão Robinson, que pretende alfabetizar mais de 1,5 milhões de pessoas; a Missão Ribas, que objectiva o estímulo ao reingresso no subsistema do segundo grau do ensino a pessoas que ainda não concluíram os seus estudos; e, por fim, a Missão Sucre, dirigida à educação superior, cuja realização mais concreta foi a Universidade Bolivariana, que se propõe incorporar quinhentos mil estudantes sem vaga no subsistema de educação superior público e privado.
Entre estas missões merece destaque a integração entre esta iniciativa e o programa de preparação para a economia solidária e a formação de cooperativas nas quais são aproveitados recursos humanos previamente preparados pelas “missões” educativas e, em seguida, orientados para o desenvolvimento local.

As missões Mercal e Vuelvan Caras: estímulo ao surgimento em massa de cooperativas

Além da educação para o desenvolvimento local – citada acima – e a missão para a saúde, há uma outra missão que ganhou o nome de Mercal. Esta missão procura assegurar o acesso da população a uma alimentação sadia. Isso dá-se através de uma ampla rede de lojas que atendem milhares de consumidores de baixo rendimento, fornecendo-lhe frutas cultivadas em hortas comunitárias. A preocupação com a população desempregada e os jovens saídos das escolas resultou também na formação de cooperativas de costura, de fabricação de calçados e de hortas para abastecer com verduras e frutas as escolas e creches.
Apesar do cooperativismo fazer parte de várias missões, a que está mais directamente incumbida em promovê-lo chama-se Vuelvan Caras. Cerca de um milhão de pessoas beneficia com o processo de capacitação profissional sendo inseridos numa actividade produtiva. A missão começou, assim, com a capacitação em diferentes ofícios o que exigiu do governo uma contratação massiva de instrutores. Das 6.840 cooperativas formadas neste processo, quase 6 mil receberam financiamento do governo, a maioria delas funcionando no campo.

A missão foi criada em Setembro de 2005. Um ano depois de criada, a MVC contabilizava os seguintes números: 147 Núcleos de Desenvolvimento Endógeno em funcionamento; 853 em fase de planificação; 61.965 pessoas incorporadas nestes núcleos; mais de 257 mil pessoas recebendo aptidões.
Se é verdade, como aponta o lema do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas, que toda a empresa que encerra deve ser ocupada e colocada a produzir, o que fazem os trabalhadores quando as fábricas fecham? Não há respostas por parte dos mesmos num contexto onde poucas fábricas fecham? E o que pode fazer o Governo num contexto onde as fábricas não fecham?

Chávez tem a resposta: transformar os encerramentos em fábricas co-gestionadas. Em Janeiro de 2005, Chávez expropriou a antiga fábrica de papel e celulose Venepal. Da falência desta empresa, da pressão dos trabalhadores e da decisão do Estado de recuperá-la sob co-gestão por motivos de interesse público, surgiu a Invepal. Trata-se de uma empresa que se tornou estatal, onde seus trabalhadores, que agora integram a Cooperativa de Industria y Papel (Covinpa), administrarão as acções, junto com os Ministérios do Trabalho, Economia Popular e Finanças (51% do capital provém do Estado e 41% da cooperativa dos trabalhadores).
Chávez também tem uma política para o actual contexto, onde poucas fábricas fecham. Ele anunciou – em Julho de 2005 – a intenção de expropriar mais 700 fábricas que estão improdutivas ou trabalhando muito abaixo de sua capacidade. Essa política faz parte de uma resposta ao boicote de alguns empresários que resolveram paralisar a produção.
Na filosofia de Chávez está implícita um diálogo maior com os trabalhadores que buscam a estatización bajo control obrero.
Na Venezuela, é certo que a criação de cooperativas de trabalhadores é uma política central e estratégica do processo de desenvolvimento endógeno. Não só devido à larga escala e ao grau de abrangência da política, mas também pelo papel atribuído ao cooperativismo numa política maior, que é a de desenvolvimento endógeno.