quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Sobre a Lógica


Qual a "utilidade" do Organon para a lógica moderna? A resposta parece ser clara e simples: nenhuma! Os "Lógicos" modernos não "usam" Aristóteles. Do ponto de vista puramente técnico-formal, todo o silogismo aristotélico (inclusive na sua versão mais sofisticada, e aperfeiçoada na Idade Média, só atinge a sistematização mais alta com Petrus Hispanus) é fácil e completamente reduzida a alguns axiomas e regras de dedução na lógica moderna. Ou seja, os silogismos são uma parte ínfima da lógica moderna, que tem uma forca dedutiva muito mais abrangente. Se pensarmos nalgumas figuras do silogismo (Bárbara, Celere, etc...) nada mais apresentam do que princípios que qualquer aluno do secundário que já estudou a teoria dos conjuntos (desde a descoberta da antinomia de Russell de "ingénua", ou seja nem mesmo a axiomática - até na versão dos círculos de Euler) tem "instintivamente".
Não podemos contudo ignorar o "valor" histórico do Organon e concluir que Aristóteles é o criador da lógica, ou seja, do primeiro sistema normativo do pensar correcto, e que a ciência (toda a ciência) possivelmente nao estaria hoje onde está sem a sua obra. Ele foi o grande pioneiro, e este é seu inegável mérito. Todavia, não será esta conclusão especulativa? Sem Frege, Russell poderia ter desenvolvido a sua "Principia Matemática", e Frege com a sua "Begriffsschrift" também teria, sem Russell, fundado a lógica moderna? Sem Aristóteles poderia ter havido outro? Mesmo que Kant tenha considerado Aristóteles o criador de uma lógica tão perfeita, e que desde a Grécia antiga até Kant nenhum progresso tenha sido feito, isso não corresponde à verdade. Kant não conhecia os grandes progressos da lógica na idade média, e no início da modernidade (especialmente Leibniz) nunca entendeu este pensador. E mesmo o valor histórico de Aristóteles tem de ser relativizado: para o desenvolvimento da lógica moderna foram os estudos sobre os fundamentos da matemática muito mais importante do que os estudos da filosofia antiga. Terão sido Morgan e Boole os verdadeiros "avós" da lógica, e não Aristóteles?

Repositorium (Estruturalismo)

Acusado de anti-historicismo, de demolir as estruturas inconscientes e os epistemas, conotado com a destruição da arqueologia do saber e de reduzir o homem a meros despojos daquilo que entendemos como Ser, o estruturalismo veio obviamente para ficar. Entendê-lo à luz da complexidade dos muitos elementos que se interrelacionam de maneira indissolúvel, e que definem uma estrutura como um conjunto de peças cujas partes actuam como funções uma das outras e que se auto-regulam – a alteração de um membro provoca, necessariamente alterações no todo –, é compreender a sua essência.
Proveniente do latim structura (construção), e usado na linguagem filosófica enquanto fórmula para relacionar significados de forma, configuração, complexidade e conexão, podemos defini-lo como um conjunto de leis que estabelecem relações entre si, explicando comportamentos e/ou formas típicas de nos desenvolvermos.
A estrutura não corresponde, contudo, a uma mera formalidade mais ou menos académica; ela é o modelo de inteligibilidade presente numa determinada configuração do real, e única possibilidade de organização lógica. As relações entre os elementos, procuradas pelo olhar estrutural, não são prioritariamente de identidade ou semelhança, como em uma doutrina de carácter holístico; ao invés, o estruturalismo persegue as diferenças, responsáveis pela criação das significações. A semelhança é compreendida por este pensamento como um caso particular da diferença que a funda. Assim, a finalidade do método estrutural é reconstruir logicamente um determinado objecto, a partir das considerações de suas diferenças, de modo a tornar manifestas as suas regras intrínsecas de funcionamento.
Lèvi-Strauss na Etnologia, Saussure na Linguística, Vigotski na Psicologia, Althusser no Marxismo, Foucault na História da Psiquiatria, na Sociologia e na Sexualidade e Lacan, na Psicanálise, tentam encontrar aplicações práticas para este quase movimento – na realidade nunca o foi assumidamente –, apresentando o estruturalismo como uma alternativa de solucionar os urgentes problemas filosóficos relativos ao sujeito humano e ao desenvolvimento da história humana. Roland Barthes, no campo da crítica literária e das múltiplas ramificações destas disciplinas, e Jacques Derrida na linguagem, crítica literária e retórica, foram dois dos grandes vultos deste “quase movimento”.
Pretendendo inverter a direcção do saber sobre o homem, decidem destronar o sujeito (o eu, a consciência ou o espírito) e suas celebradas capacidades de liberdade, autodeterminação, autotranscendência e criatividade em favor de estruturas profundas e inconscientes, omnipresentes e omnideterminantes, em favor de uma abordagem científica que pretende descobrir a estrutura, penetrar na essência e determinar, através de uma rejeição aos postulados positivistas e evolucionistas, a razão única e incontornável da estrutura.
O estruturalismo, que começou originalmente com Saussure, com um método útil de melhor decifrar a linguística, depressa alastrou a outras áreas do entendimento humano
Michel Dufrenne, feroz anti-estruturalista, define o movimento como “concepções disparatadas bem expressas na ontologia de Heidegger, no estruturalismo de Lèvi-Strauss, na psicanálise de Lacan ou no marxismo de Althusser”, acrescentando ainda “haver uma temática comum a todos eles e ao estruturalismo: a abolição do sentido vivido e a dissolução do homem”.
Com Piaget, podemos dizer que as estruturas epistémicas de Foucault não se distinguem dos paradigmas de que fala Thomas Kuhn e as críticas que podem ser feitas a Kuhn também podem ser repetidas para Foucault. Piaget escreve; “As epistemas sucessivas não podem ser deduzidas uma das outras formalmente nem dialecticamente, e não procedem umas das outras por filiação, nem genética nem histórica. De outra forma, a última palavra de uma “arqueologia” da razão é de que a razão se transforma sem razão e que as suas estruturas aparecem e desaparecem por mutações fortuitas ou emergências momentâneas, do mesmo modo que raciocinavam os biólogos antes do estruturalismo cibernético contemporâneo”. Na opinião de Piaget, Foucault é irracionalista.
Devemos compreender o pós-estruturalismo tanto como uma reacção ao pensamento hegeliano? Essa reação ou fuga envolve, essencialmente, a celebração do “jogo da diferença” contra o “trabalho da dialéctica”.
O livro de Deleuze, “Nietzsche e a filosofia”, representa um dos momentos inaugurais do pós-estruturalismo, fornecendo uma interpretação de Nietzsche que enfatiza o jogo da diferença e que utiliza o conceito de “diferença” como o elemento central de um vigoroso ataque à dialéctica hegeliana e do estabelecimento de uma “filosofia da diferença”.

Fica uma sugestão de leitura “O estruturalismo de Lèvi-Strauss”

Repositorium (Democratizar pelo conhecimento)

A utilização da expressão “música antiga” para conceitos como “interpretação autêntica” ou “historicamente informada”, remonta a tempos recentes e poderia abranger (por exemplo) a execução da música para piano de Schumann em instrumentos da época, ou das sinfonias de Mahler usando os tipos de portamento preferidos pelos instrumentos de cordas do início do séc. XX.
Designamos por “música antiga”, não apenas a música de épocas remotas, mas também a atitude particular em relação à sua execução. Aplica-se por vezes à música da Idade Média e do Renascimento (até 1600, por vezes também à do período barroco (1750), e cada vez mais, até 1800, incluindo assim grande parte do período clássico.

Os Cancioneiros Musicais

Entre nós, e uma elite erudita mundial, o Cancioneiro de Elvas é de longe o mais conhecido, e foi, durante muito tempo, a base para o conhecimento da polifonia profana portuguesa do séc. XVI. Ao longo do último terço do séc. XV e da 1ª metade do séc. XVI Portugal foi um participante activo no desenvolvimento da canção polifónica profana. Contém 65 canções.
Um Cancioneiro é uma colecção de canções populares polifónicas e profanas, organizada com certa coerência, que geralmente recebe o nome de quem a organizou ou do lugar onde foi encontrada e compilada. Os villancicos (palavra que deseigna vilões) e romances que fazem parte dos cancioneiros possuem uma característica poético-provençal e luso-espanhola de caráter lírico ou épico.
Vale a pena ouvir um tema de Tomas Luis de Victoria, provavelmente o maior compositor espanhol renascentista.

Democracia, desenvolvimento e cultura

"A democracia é um método que assegura que não seremos governados melhor do que merecemos."
George Bernard Shaw
Afirmação que se tem mostrado verdadeira, como a história comprova. Para tanto basta uma passagem rápida pelos jornais. Importante é o movimento gerado na blogosfera que nos vai alertando para situações que democracia alguma deveria permitir.
Outras preocupações podem ser sentidas AQUI e AQUI sob a forma de um excelente texto.
Cultura e Desenvolvimento são indissociáveis, e se nenhum governo parece entender esta simples verdade, não sabe e/ou não quer exercer aquilo para que foi realmente eleito: democratizar pelo conhecimento, elevando os padrões de exigência dos cidadãos e dos próprios governantes. Agregar e estimular estudos vocacionados para a compreensão das complexas relações entre cultura, sociedade e desenvolvimento, incentivar a investigação nas múltiplas inter-relações entre desenvolvimento da sociedade e a cultura; determinar que a culturalidade surja como elemento essencial (e natural) para o desenvolvimento, acarinhando estudos sobre a formulação de valores, de políticas de preservação dos patrimónios e sub-patrimónios culturais, promovendo a disseminação, divulgação e consumo das artes nas suas variadíssimas vertentes, assegurando assim, de forma simples, o desenvolvimento necessário para uma vida com verdadeira qualidade.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

E.xperience


Ou ontem que o Sol se pôs a nordeste, rubro, rubro, descrevendo sinuosas elípticas e desaparecendo por detrás da linha descontínua e invisível em tom de despedida.
Ou o brilho intenso perpassando entre as ramadas baixas das árvores – derreadas ao peso do ser -, e das finas agulhas dos pinheiros – quase verdes -, ou ainda o semicírculo cortado abruptamente pela verticalidade inusitada de um tronco que teima em morrer de pé, adiando o fecho do ciclo…
Não, não! Talvez seja a reflexão gloriosa dos [teus] olhos ultrapassando contor.NUS para se depositarem – como o Sol – na sombra inusitada escondida atrás da linha imaginária que perpetua o horizonte.
Também o (a) mar se pintou de tonalidades rubras/vivas, enganando o azul celeste e as (in) tranquilidades.
Para hoje a glória de um dia sorridente, amarelo suave, perturbado le-ve-mente pela inadvertência de uma nuvem descuidada cinza/leve sem rumo certo. Logo, o Sol desaparecerá a Oriente e o [teu] sorriso sublinhará os traços dos [teus] lábios carnudos cor de cereja.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Considerações (vagas) sobre o Direito


Para entendermos a “imunidade” do poder jurídico como guardião do Estado democrático, é de fundamental importância compreender um dos grandes ideólogos da produção do direito moderno: Hans Kelsen. No seu tratado sobre a teoria pura do Direito, Kelsen afirma que o pressuposto da “ciência jurídica” deve manter-se equidistante da sociologia jurídica, uma vez que, nessa esfera de análise, o objecto não é o próprio Direito, mas os fenómenos ou acontecimentos circundantes ao Direito. Kelsen tenta isolar o Direito de qualquer influência dos pressupostos filosóficos ou de sanções ético-morais. A autonomia do Direito tem como objectivo dar sustentação orgânica e burocrática a uma sociedade que tenta a racionalidade e o empirismo dogmático. O pressuposto básico de Kelsen assenta na ideia da norma por excelência, valorizando apenas a ordem jurídica auto-aplicativa, numa clara feição fundamentalista, onde o texto é condutor da própria realidade, acomodando a sociedade na perspectiva da ordem textual-jurídica. A dogmática jurídica deste pensador manifesta-se na medida em que os seus pressupostos teóricos estão fundamentados no conhecimento científico, especialmente no postulado de que é possível fazer separação radical entre sujeito cognoscente e objecto cognoscível, defendendo, ainda, que a ciência jurídica deve fornecer esquemas de interpretação de natureza exclusivamente jurídica dos factos e restringir-se a um juízo de valor objectivo dos mesmos. Ou seja, o Direito busca consolidar-se na estrutura estatal como feixe do universo linguístico peculiar, para muitos, impenetrável e de uma configuração burocrática adaptável às necessidades do Estado.

O processo de “judicialização” do Estado materializa-se na medida em que o Estado, ao ser considerado a única fonte de poder legítimo, recorre exclusivamente à ordem jurídica para a garantia de sua estrutura burocrática e institucional. A segurança do Estado democrático não repousa mais na atitude dialógica entre Estado e sociedade, mas no ordenamento jurídico, imposto como nova fonte da sua conservação. O direito que se configura ao longo do processo civilizacional do ocidente é o direito de defesa do Estado enquanto instituição pretensamente autónoma e imune, e não mais um Estado configurado no ideal democrático, mas “juridisciocrático”. Deve reconhecer-se que esse processo de judicialização do Estado ocorre na razão directamente proporcional ao esvaziamento da participação social na esfera pública, do declínio do homem político e do desencantamento com a política partidária e institucional. A demanda da supremacia da justiça, na aspiração societária, vem do desamparo político e da indiferença burocrática. O Direito passa a revelar-se como última reserva moral numa sociedade que já não a possui. O enfraquecimento do Estado diante da supremacia desproporcional da economia internacional e do espírito global apoderou-se do planeta num flagrante desprezo pelo poder tutelar; multiplica-se assim, a recorrência ao acto jurídico, sabendo todos nós que também a Justiça enferma de maleitas maiores.
Vivemos então num mundo onde apenas o poder do dinheiro conta? O Direito, que deveria assegurar a equidade, é afinal mais um instrumento de opressão? – Estou tentado a dizer que sim.

Vale a pena visitar atentamente: Blue Velvet e "Tríade", dois espaços fantásticos.

Repositorium (Considerações sobre Jornalismo)


Nos últimos anos foram publicadas inúmeras sínteses sobre o estado em que se encontram hoje os estudos do jornalismo enquanto objecto de reflexão; para além destes estudos puramente académicos surgem na blogosfera e mesmo na imprensa dita tradicional, opiniões, esboços de estudos, críticas e sugestões de como resolver algo que até agora se tem mostrado insolúvel: o paradigma da crise instalada no sector, retirando-o – erroneamente – da crise geral que varre a sociedade em que vivemos.
Se é certo que ocorreram nos últimos anos mudanças substanciais na produção da notícia que exigem maior agilidade e novas aptidões dos jornalistas, também é certo que a maior parte dos estudos são feitos por académicos que estão longe de entenderem a empresa jornalística e a forma de como esta tem de arranjar fórmulas de sustentabilidade para permanecerem num mercado extremamente competitivo. Os novos meios, os novos contextos de produção e as novas linguagens estão a alterar acentuadamente o fabrico da notícia.
A verdade é que estas mudanças na profissão não passaram ao lado dos estudiosos do fenómeno da comunicação que apontam normalmente como remédio uma mudança de paradigma, sem no entanto reflectirem mais cuidadosamente sobre essas modificações ao nível conceptual e correlacioná-las com as modificações na profissão para ver se podemos falar, de facto, em mudanças de paradigmas do jornalismo. Parece-me antes de tudo que será mais sensato distinguir as mudanças que ocorrem na profissão e aquelas que ocorrem nos estudos do jornalismo. São duas coisas completamente diversas. O académico leva apenas em linha de conta o que seria o jornalismo ideal, esquecendo que por detrás das letras impressas, da voz que se ouve na rádio ou das imagens televisivas, se encontram empresas que têm de ter sustentabilidade económica para que todos os dias o público possa ter acesso à notícia.
É fácil saber que género de jornalismo seria ideal. Os jornalistas sabem-no, reconhecem a necessidade de se alterarem conceitos, fórmulas, maneiras de trabalhar. Porém, subsiste a velha questão: como contornar a fórmula de financiamento dos órgãos de comunicação?
Na profissão, creio que não há nenhuma mudança de paradigma, e sim um reajuste, que alguns autores chamam de metamorfose profissional. Os novos produtores assimilaram a cultura profissional anterior e os novos meios, como a internet, utilizaram estruturas comerciais e industriais já existentes, fazendo convergir processos de produção cultural ainda mais centralizados, mas com uma rentabilidade financeira ainda mais duvidosa.
A crença na primazia dos factos foi ainda mais reforçada com o advento do jornalismo online, que sacralizou a retórica da objectividade, da síntese e do imediatismo com uma linguagem telegráfica. O jornalismo online só publica flashes curtos, raramente temos acesso a reportagens. Muita síntese, poucas palavras.
Por outro lado, os velhos meios, como o jornalismo gráfico, por exemplo, também não fizeram nenhuma ruptura radical nas repetidas maneiras de produzir a notícia. Ao contrário, fizeram mais uma readaptação de forma a legitimarem as rotinas e linguagens para fazer frente às exigências da instantaneidade em detrimento da palavra. Os jornais tornaram-se mais limpos, mais coloridos e mais didácticos depois da mania da infografia, um recurso de design que lhes assegurou adesão às novas exigências do público leitor, ávido de informações rápidas, bonitas e superficialmente instrutivas. Tudo rápido, ligeiro, mas sem conteúdo.
O discurso jornalístico é, de facto uma construção social sobre a realidade observada. Assim, o paradigma da objectividade não garante objectividade nenhuma, e na verdade tenta dissimular a intervenção subjectiva do jornalista.
Não são críticas novas! Estas críticas vêm sendo retomadas e sublinhadas pelos estudos que utilizam o conceito marxista da ideologia há mais de 40 anos. Mesmo na sociologia, W. Lippman, R. Park e C. W. Mills, entre outros, já faziam críticas semelhantes, guardadas as diferenças entre cada autor, desde a década de 20.
A verdade é que essas críticas fortaleceram-se epistemologicamente com as contribuições da filosofia da linguagem pelo movimento normalmente conhecido como "giro linguístico", movimento que reafirma a radical relevância da linguagem no pensamento humano (sem linguagem, não há pensamento) e que entende a linguagem como parte inextricável do processo de apreensão da realidade. E também com as contribuições do "giro retórico" que o seguiu, em que a retórica é entendida como um componente inerente a qualquer acto comunicativo e não apenas aos discursos persuasivos. Mais recentemente adicionou-se o chamado "giro antropológico", com o argumento de que todas as referências ao mundo implicam um acto de classificação e ordenação, e por isso o real é um constructo. Essas correntes epistemológicas somaram-se, reforçando as críticas ao empirismo, agora bastante adensadas.
Os estudos de carácter marxista estão por demais vinculados às posturas político-ideológicas mas não necessariamente científicas, e grande parte da semiologia estruturalista ficou reduzida a um mero exibicionismo intelectual.
Creio que a grave crise que abarca o jornalismo e a decadente sociedade de consumo como um todo, e que nos deveria preocupar profundamente, é a crise da palavra, entendida como a totalidade das expressividades de que dispõe o ser humano para conhecer e conhecer-se. Pergunto: onde está o pré-paradigma crítico?
Na sociedade ocidental contemporânea há uma hipertrofia da palavra, e o jornalismo é, pelo menos parcialmente, responsável por ela. Pior ainda, as reformas mais visíveis estimulam novas formas de imediatismo e de empirismo, que consolidam a incapacidade da nossa sociedade em expressar e debater em âmbitos mais coerentes e saudáveis as relações dos homens com outros homens e com a natureza.
Aqui surge a oportunidade para introduzir o conceito de jornalismo libertário, opinativo, alternativo e mobilizador.
Voltarei a este tema numa próxima oportunidade.

Repositorium (Jornalismo Regional. Parte II)


Nas últimas duas últimas décadas, assistimos a uma cada vez maior revalorização do papel da imprensa regional e local nomeadamente enquanto instrumento privilegiado na manutenção ou na reactivação de formas comunitárias pré-industriais, alternativas aos modelos de comunicação massificados; revitalização essa que conhece agora um enorme retrocesso já que os jornais e rádios locais estão a ser engolidos pelos grandes grupos económicos, que desta forma ficam com mais uma importante fatia de mercado no que concerne à venda de espaços publicitários, forma única de financiamento da imprensa regional. O apetite insaciável dos grandes grupos que controlam os media estão a colocar em causa a independência – ainda que precária – da imprensa regional, sujeitando-a a linhas editoriais duvidosas e sempre comprometidas com os poderes locais instituídos – é preciso dizer-se que a grande fatia do espaço publicitário vendido provém da chamada publicidade institucional – defraudando desta forma a expectativa do leitor, mas também do jornalista, obrigado pelas direcções a subtraírem informação e pior ainda, manipulando a informação!
É obrigatório que a Comunicação Social Regional mostre a sua especificidade em relação à sua congénere dita nacional (tarefa difícil se levarmos em linha de conta que a grande maioria já foi absorvida pelos grandes grupos de Lisboa) e, por isso, destaco alguns traços típicos do jornalismo pré-industrial que, no meu entender, ainda sobrevivem nalguns media regionais: a conexão escassa com a publicidade; uma relação forte entre as elites locais e os media; uma ênfase no artigo de opinião e na colaboração externa; a tendência para estruturar o discurso em torno de alguns assuntos recorrentes em torno dos quais se veiculam opiniões, debates e polémicas; o reconhecimento recíproco e partilhado por produtores e receptores quanto aos factos e realidades que servem de referências às mensagens jornalísticas.
A apologista de que os media regionais são um complemento aos nacionais e uma alternativa a um modelo massificado de comunicação, coloca a imprensa regional e local portuguesa num limiar onde a comunicação de massa e a comunicação interpessoal quase se confundem, vislumbrando-se nela – refiro-me aos poucos resistentes que ainda sobrevivem mantendo-se longe dos poderes instituídos – formas alternativas a uma comunicação social nacional, geralmente marcada pela virtualização dos públicos, pela massificação e pela cedência crescente às lógicas mercantis da informação-espectáculo. É certo que a imprensa regional escolhe o território como o lugar de realização do seu empenhamento editorial, cultural, discursivo, económico, resultando a sua especificidade do seu compromisso específico, do seu pacto comunicacional com um território que não pode deixar de repensar um recorte parcial de um espaço mais vasto”. Trata-se de um jornalístico de proximidade, fundamentalmente comprometido com a sua região e as suas gentes.
Não raras vezes, assistimos a tomadas de posição publicamente expressas em favor dos anseios das populações e contra os poderes instituídos. O Diário de Leiria” foi um bom exemplo do que acabo de afirmar quando tomou publicamente partido pelas posições do povo daquela localidade e não hesitou em assumir a causa da coincineração, transformando-a num acontecimento excepcional que mereceu o destaque na sua primeira página, durante quatorze edições consecutivas. É um exemplo do jornalismo próximo do cidadão: o jornalismo das causas, no qual o jornal se assume como um actor político incontornável e se mostra partidário, ainda que sem sigla definida. (Outros exemplos poderiam ser apontados, infelizmente cada vez em menor número)
Assim, se por um lado, o jornalismo regional tem a vantagem da proximidade com os seus leitores ou ouvintes, tomando partido das suas causas, por outro abandona de vez os cânones tradicionais do jornalismo, que dizem que o jornalista deve ser isento, objectivo e apartidário, não tomando nunca posição sobre aquilo que transmite e descreve; e bem. Essa retórica distorcida serve apenas os grandes interesses económicos, políticos e culturais, deformando a notícia, tornando-a inócua e prestando um péssimo serviço aos leitores. À imprensa regional cabe pois, um papel fracturante com os cânones ditados por Lisboa e por meia dúzia de instalados que fazem as regras neste sector. Vencer o medo da represália, propor alternativas, fazer um trabalho sério, desmistificar a falsa isenção, não compactuar com os poderes são as imposições do jornalismo regional.

domingo, 20 de janeiro de 2008

E.

Talvez os salivares escorrendo da extremidade da língua curem feridas ao redor do peito, um dia cicatriz aberta, hoje amor-perfeito.
Ou quando o pijama azul riscado – azuis revoltos – te escorrega corpo abaixo deslizando no acetinado da pele magnífica e brilhante, e as [minhas] mãos em paralelo perpassam o tecido roçando [te] ao de leve arrancando-te imperceptíveis arrepios e os lábios se abrem sob a forma de corola, pétalas rubras molhadas de desejo. Entreaberto. Como as pernas oblongas e magníficas.
Impera o silêncio.
Encontramo [nos] no sarar das feridas e nas cicatrizes submersas no amor-maior.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Separatismo ou dualismo


Uma das teorias clássicas sobre as relações entre a moral e o direito é a do iluminista Christian Thomasius, para quem o direito tem a ver com a acção humana depois de exteriorizada e a moral diz apenas respeito àquilo que se processa no plano da consciência. Daí as características de bilateralidade e coercibilidade do direito contra a unilateralidade e a incoercibilidade da moral. Por outras palavras, o direito é positivo, bilateral e coercivo, enquanto a moral é negativa, incoercível e unilateral, ou interna.

Ciência positiva e ciência negativa
Neste sentido, enquanto o preceito da moral proclama o faz ao outro aquilo que querias que te fizessem a ti, já o preceito do direito se reduz ao não faças ao outro aquilo que não querias que te fizessem a ti. Isto é, se a moral se assume principalmente como uma ciência positiva, já o direito é uma espécie de ciência negativa.
Segundo as próprias palavras de Thomasius, a moralidade guia as acções internas dos néscios; os usos sociais, as externas, a fim de conquistar a benevolência dos demais; o direito, as externas, a fim de não perturbar a paz ou de restaurá-la, uma vez perturbada. A moral tem a ver com o honestum; os usos sociais, com o decorum; e o direito, com o iustum. O que o homem faz por obrigação interna e seguindo as regras da moralidade e dos usos sociais, é guiado, em geral, pela virtude e por isso, neste caso, se chama ao homem virtuoso e não justo; o que o homem faz de acordo com as regras do direito ou por obrigação externa é guiado pela justiça, e por isso se chama, por razões destas acções, justo.
Esta perspectiva dualista ainda se mantém, por exemplo, num Léon Duguit que ainda considera que a regra do direito se não impõe ao homem interior; é a regra dos seus actos exteriores e não dos seus pensamentos e dos seus desejos, o que, pelo contrário, deve ser toda a regra de moral.
Mas, como assinala Radbruch, a conduta exterior só interessa à moral na medida em que exprime uma conduta interior; a conduta interior só interessa ao direito na medida em que anuncia ou deixa esperar uma conduta exterior. E, tanto a conduta exterior é susceptível de ser objecto de valorações morais, como a interior de ser objecto de valorações jurídicas.



A distinção de Kant

ASCENSÃO AO SUJEITO
KANT parte desta perspectiva separatista ou dualista: a legislação ética (ainda que os deveres possam ser exteriores) é aquela que não pode ser externa. Contudo, em lugar de perspectivar a diferença segundo o objecto, na premissa de que a obrigação coactiva, à maneira de Thomasius, isto é, pelo conteúdo da obrigação ou pela forma de obrigar, ascende ao sujeito, referindo ambas as categorias à liberdade; deste modo, reconhecendo a conexão interna entre a moral e o direito.

A liberdade interna e a liberdade externa

Considera que a moral diz respeito à liberdade interna (o sujeito não se submete a outra norma senão àquela que a si mesmo ditou) e o direito à liberdade externa (a liberdade do sujeito relativamente a outros sujeitos). A liberdade regula a liberdade interior do homem sob a sanção da consciência; o direito apenas regula a liberdade externa.
O imperativo categórico
A lei moral ditada pela razão prática é o imperativo categórico: uma acção é conforme à lei moral se for ditada motivos susceptíveis de se tornarem lei universal. Enquanto a moral se ordena em torno do móbil da acção, já o direito se desinteressa das razões que fazem agir, impondo apenas uma certa atitude exterior – isto é, os actos ou as omissões susceptíveis de serem constatados por outrem.
Legalidade e moralidade
Assim, distingue a legalidade (concordância do acto externo com a lei sem ter em conta o seu móbil), da moralidade ou Sittlichkeit (cumprimento do acto por dever-ser). Nestes termos, proclama que o direito se ocupa da legislação prática externa de uma pessoa a respeito de outra enquanto os seus actos possam, como factos, exercer influência (directa ou indirecta) de uns sobre os outros.

A obrigação e a virtude

Para Kant, o direito e a moral são, assim, guiados pelo mesmo móbil: o interesse comum da humanidade. Mas se o direito traça ao homem a linha da obrigação, que constrange, a moral impõe-lhe a virtude, que aconselha e persuade. Se a moral leva apenas ao que é bem, já o direito conduz ao que é justo.
Também Hegel vai acentuar a dependência do direito e da moral relativamente a uma terceira categoria que as duas hierarquizariam, o ethos, lutando contra o dualismo kantiano.



Um destes dias voltarei ao assunto.

Repositorium (A teoria do Signo)

Terá Augusto tido consciência de que ao mandar cunhar moedas com uma finalidade precisa de que acabava de criar o embrião da semiologia? Como podia o imperador romano, através das suas moedas, exprimir a sua satisfação pelo seu próprio papel, a sua adesão ao seu próprio programa político? E o imperador que representava a Pietas no reverso das suas moedas limitava-se a afirmar a sua religiosidade ou conseguia persuadir os destinatários?

A teoria do signo como mensagem intencional é a Semiologia da comunicação.


O estudo da linguagem nos sistemas de comunicação não-linguística, de que os sinais de trânsito, por exemplo, são uma recorrência nas obras de Semiologia, e marcando deliberadamente a diferença, entre o emissor que produz a mensagem e o receptor que a recebe, são o produto acabado dos estudiosos desta ciência.
Estará a função emotiva jakobsoniana ausente da cultura material enquanto mensagem, ou talvez o emissor não possa exprimir na cultura material o sentimento que o afecta?
Se o exemplo da moeda de Augusto nos deixa na dúvida sobre a capacidade emotiva e sobre o êxito injuntivo da mensagem que a cultura material transporta, outros exemplos confirmam que essa cultura pode eventualmente exprimir os sentimentos do emissor e comunicar de maneira persuasiva.

Todavia a mensagem é produzida num contexto, tem um conteúdo e recorre a signos, de que se serve de acordo com códigos. Os objectos, de que a cultura material se compõe, podem ser produzidos para transmitir mensagens. Tomando ainda como exemplo o caso da moeda romana emitida por Augusto (emissor) e destinada à população do Império (destinatária), e que foi produzida num contexto (o da paz social introduzida pelo Imperador, que pôs fim às guerras civis do fim da República), facilmente constatamos que esta tem um conteúdo e pretende transmitir uma mensagem clara: Augusto apresentado como pacificador. E fá-lo por meio de signos ou sinaléticas: apresenta a efígie do imperador no anverso e a figura alegórica da Pax no reverso.
O censor Ahenobarbus, encomendou um baixo-relevo – agora famoso – onde é possível ver Poseídon e Anfitrite no seu carro, acompanhados por centauros marinhos e nereides. Talvez o cortejo aluda simultaneamente a uma vitória naval do censor e à pretensão genealógica da família, que se considerava descendente de Poseídon; neste sentido, pode ser auto ou hetero-referencial, consoante o emissor fala de si ou de outrem (ou ainda de outra coisa).
É o que Jakobson designa por função emotiva da comunicação. E o emissor não pretende apenas informar, mas influenciar, persuadir, mobilizar o receptor, fazê-lo tomar uma atitude. É o que o mesmo autor, na sua teoria das funções da linguagem, designa por função conativa ou injuntiva. A linguagem pode ser modulada de modo a desvelar o sentimento do emissor e a provocar a reacção do receptor. Posso dizer “Aceito” em diversos tons ou com diversas ênfases, exprimindo alegria ou apenas conformação. E posso dizer “Aguarda-me” de modo mais ou menos imperativo, suscitando no outro receio ou curiosidade. Talvez, na comunicação por meio de signos não verbais, e com excepção feita ao domínio artístico, seja difícil ao emissor deixar transparecer ou modular a emoção.
Os signos/mensagens da cultura material são geralmente incapazes de exprimirem a emoção ou atitude do emissor.
Os signos têm assim um poder persuasivo, de tal forma que Paul Zanker pôde intitular uma das suas obras “The power of images in the age of Augustus” (na versão inglesa) e afirmar que “uma nova linguagem visual contribuiu significativamente para o processo de mudança da sociedade”.
Jakobson distingue ainda, na comunicação verbal, as funções fática, poética ou estética e metalinguística. Poderemos distinguir também estas funções na cultura material? Redimensionando os signos/mensagens, o emissor chama mais ou menos a atenção do receptor.
Nos finais da República e nos inícios do Império romano observa-se uma escalada na dimensão dos túmulos. Poderemos atribuir outro sentido a este sobredimensionamento ou exotismo dos túmulos, que não o de chamar a atenção para a mensagem que se pretendia transmitir, mensagem essa que era a comunicação da importância social ou do êxito económico que o morto tinha tido em vida? Os túmulos sobredimensionados constituíam um discurso hiperfrástico que tinha por função chamar a atenção.
A função poética é a arte de agradar – o homem não é apenas um homo loquens, que fala, mas um homo poeticus, no sentido de que é capaz de dar aos signos uma forma mais ou agradável. Talvez esta função se possa chamar também retórica, porque o esforço de agradar e um esforço para persuadir. Talvez a função poética de Jakobson sirva a função conativa ou injuntiva do mesmo autor.
Augusto, ao cunhar as suas moedas estava bem longe de saber que estava a criar um embrião de uma ciência da comunicação.

Repositorium (Henri Cartier-Bresson)

Após o desparecimento inexplicável do meu anterior blog, decidi fazer uma espécie de repositorium de alguns temas que me parecem de alguma importância.
Assim, irei intercalar com os novos textos, momentos de arquivo.
Como já foram comentados, espero que não se importem que estes não estejam abertos a comentários
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Henri Cartier-Bresson

Da experiência e da ansiedade de perder a direcção correcta nesta interinidade de escuridão e luz, nasce o inquérito acerca do significado da vida. Mas nasce porque a vida é experimentada como a participação humana num movimento cuja direcção pode ser encontrada ou perdida.

A existência não é um facto. Se alguma coisa é a existência, é o não-facto de um movimento perturbante da realidade interina, da ignorância e do conhecimento, do tempo e da intemporalidade, da imperfeição e perfeição, da esperança e do cumprimento, da vida e da morte.
Henri Cartier-Bresson tenta, com a sua máquina fotográfica, responder a todas estas questões, capturando não apenas um momento, mas o momento.
Nascido em França em 1908, estudou pintura e filosofia, vindo depois a iniciar-se na carreira de fotógrafo em 1931 fazendo igualmente, alguns filmes documentais. Feito prisioneiro pelas tropas alemãs em 1940, conseguiu evadir-se para se juntar à resistência francesa.

Começa então o período mais rico da história deste genial fotógrafo. A necessidade explícita e implicitamente assumida de retratar a realidade a partir de uma simples câmara fotográfica impõe a Bresson uma precisão e uma integridade quase maníacas, sobretudo se atentarmos nas formas mesmo quando tudo parece perder substância; o facto imaginado da existência não pode permanecer sem significado, mas deve tornar-se a rampa de lançamento para o ego do intelectual.
Se a existência do homem não fosse um movimento mas um facto, não só não teria qualquer significado mas nem sequer se colocaria a questão do significado. A conexão entre o movimento e investigação torna-se mais compreensível se considerarmos a sua deformação por alguns pensadores existencialistas.
Se a busca for proibida de se mover na realidade interina, e se, por consequência, não puder ser dirigida ao fundamento divino do ser, deve ser dirigida para um significado imaginado ou esta destruição imaginativa da razão e da realidade não é uma idiossincrasia e tem um carácter representativo na história?
O homem que se experimenta a si próprio e se questiona, aparece como uma res cogitans cujo esse deve ser inferido do seu cogitare, – e o Deus por cuja resposta nós esperamos e aguardamos é convertido no objecto de uma prova ontológica da sua existência. Ademais, o movimento da busca, o erotismo da existência na realidade interina do divino e do humano, tornou-se um cogitare demonstrativo dos seus objectos; a luminosidade da vida da razão foi modificada na claridade do raisonnement, e porque a realidade existe a fotografia existe, resistindo à circulação célere das imagens, aos directos das televisões e à internet. Criando um espaço próprio, renovando-se para acompanhar as mudanças. Afirmando-se como um estilo para documentar o mundo; e para quem profetizou o fim da era de ouro do fotojornalismo, surge a Magnum como uma resposta, uma afirmação de que reportagem fotográfica continua e continuará a ser uma referência documental insubstituível. Os projectos dos seus fotógrafos resultam em imagens que espelham o mundo de hoje, fragmentado e inquieto. Apesar de ser vista como uma agência conservadora, a Magnum tenta esbater as fronteiras entre a arte e o documento, tira partido das novas tecnologias e quer estar, sempre, onde tudo acontece (onde está a notícia) ou onde nada acontece (o quotidiano).
Henri Cartier-Bresson e David (Chim) Seymour conheceram-se por acaso numa viagem de autocarro perto de Montparnasse, em Paris; sentados frente-a-frente. Bresson segurava a sua Leica e foi essa câmara que motivou o início de uma conversa que, mais tarde, levaria à criação da Magnum.
Em Abril de 1947, Robert Capa, David Seymour, Henri Cartier-Bresson e George Rodger encontraram-se no restaurante do New York's Museum of Modern Art. Não era apenas um jantar de amigos. Os quatro fotógrafos estavam decididos a formar um consórcio que protegesse os direitos de autor sobre os negativos e lhes desse o controlo editorial do uso das suas fotografias. Contactaram mais alguns fotógrafos e em Maio criaram a "Magnum Photos, Inc". Cinquenta e quatro anos depois, a Magnum é uma instituição com escritórios espalhados por todo o mundo. Tem hoje 60 membros e milhões de imagens em arquivo, a preto e branco e a cores, datadas desde os anos 30.

“Com a Magnum”, diria mais tarde Henri Cartier-Bresson, “nasceu a necessidade de se contar uma história”. A agência foi fundada no rescaldo da Segunda Grande Guerra e os quatro fundadores, mais do que fotografar, tinham sido, eles próprios, protagonistas e testemunhas da História. Imagens do Dia D do desembarque na Normandia, da resistência em França, dos bombardeamentos de Londres, da libertação de Paris, dos campos de concentração alemães, ganharam uma nova dimensão nunca imaginada. Mais do que ler, era possível ver o curso da história com os seus protagonistas e actores secundários – o povo – com os seus rostos de sofrimento, ansiedade, alegria, medo, de vitória e de derrota. Henri Cartier-Bresson imortaliza-se com momentos como a célebre fotografia "Prisioneira de campo de guerra em Dassau" (1945, Alemanha), onde capta o instante exacto em que uma antiga prisioneira reconheceu a pessoa que a denunciara. No entanto a sua fotografia mais conhecida é "Domingo nas margens do Marne", tirada em 1938. Uma família em piquenique nas margens de um Marne tranquilo…

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Suspensão


Lá fora, as nuvens que encobrem sóis, azuis e tonalidades adormecidas.
A sensação desagradável do nada, a fantasmagoria dos desapegos, como se a vida tivesse terminado algures num tempo sem tempo.
[A inexistência de um eixo concêntrico que segure a cabeça e o rodar constante desta em torno de nada], e ainda a imperceptibilidade da cabeça suspensa, desgarrada de um corpo morto, perdido nos espaços siderais em busca não sabe de quê].

[Da morte que se avizinha?]

[O divagar sobre a criptografia tentando desvendar ensinamentos de Sião] pensamentos adequados a estudos criptográficos que poderão explicar a ausência do semi-eixo concêntrico que deveria suportar cabeça e ideias.
Ao longe, o toque a finados.
[É noite e ausência de Lua! Impera o silêncio que dói]

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Sobre a comunicação no sistema capitalista


A compreensão do caráter sistémico da produção cultural e dos processos comunicacionais da sociedade capitalista depende de uma reflexão que vá além da aparência, da manifestação superficial dos fenómenos sociais, buscando a lógica que os estrutura. Como se sabe, a dialéctica aparência/essência é enfaticamente rejeitada pelos teóricos do Pós-estruturalismo e pelos adeptos da Pós-modernidade de modo geral. De acordo com Adorno e Horkheimer, a fragmentação e a diferenciação, são características da aparência, da superfície dos bens produzidos na sociedade capitalista.

As distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A e B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, têm menos a ver com o seu conteúdo do que com sua utilidade para classificação, organização e computorização estatística dos consumidores. Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. O esquema do procedimento mostra-se no facto de que os produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre como a mesma coisa. A diferença entre a série Chrysler e a série General Motors é no fundo uma distinção ilusória, como já sabe toda criança interessada em modelos de automóveis. As vantagens e desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha.

A vigência actual do neo-liberalismo não é fruto do acaso, é uma consequência do grau de desenvolvimento alcançado pelas relações sociais capitalistas e pela própria indústria cultural. A crença de que o consumidor é o sujeito das actividades económicas, de que as empresas existem para satisfazer as suas necessidades, e devem fazer de tudo para manter a “fidelidade” dos seus “clientes”, já estava presente nos anos 40 do século XX, quando Adorno e Horkheimer publicaram a primeira edição de Dialéctica do Esclarecimento. Esta obra chamava já a atenção para a tendência da publicidade se tornar o principal veículo ideológico da sociedade capitalista. Hoje, esta tendência concretizou-se plenamente: com a total transformação da cultura e dos processos comunicacionais em mercadorias; a cultura e a comunicação passaram a ser dominadas pela linguagem criada para a venda dos “produtos”, a publicidade. O posicionamento da publicidade como o elemento principal da ideologia capitalista significa o esvaziamento (mas não a extinção) dos componentes não económicos da ideologia dominante. Ou seja, na sociedade contemporânea ideias políticas ou religiosas só sobrevivem na forma de “produtos” a serem “vendidos” com a utilização da linguagem publicitária. Passa a existir uma contradição entre as características específicas da linguagem política ou da linguagem religiosa e as características da linguagem publicitária. Não há a supressão das linguagens não publicitárias, mas a sua persistência numa condição subordinada.


Baudrillard por seu turno conclui em “Simulacros e Simulação”, que, “O que estamos a viver é a absorção de todos os modos de expressão virtuais no da publicidade. Todas as formas culturais originais, todas as linguagens determinadas absorvem-se neste por que não tem profundidade, é instantâneo e instantaneamente esquecido. Triunfo da forma superficial, mínimo denominador comum de todos os significados, grau zero do sentido, triunfo da entropia sobre todos os tropos possíveis.”

A teoria de Baudrillard está ancorada no pressuposto de que a sociedade capitalista se autodestrói pelo seu próprio crescimento (sem a intervenção de sujeitos sociais revolucionários): esta destruição já teria acontecido, o projecto moderno de planeamento e controle dos comportamentos sociais (das acções das massas) não funciona. A expansão da lógica mercantil significou o seu fim, a publicidade é incapaz de determinar o comportamento social e não é, nem nunca foi um meio de comunicação: não existem mais as classes sociais, nem dominantes nem dominadas. Somos todos massa, o social (controle) acabou.

Discordando, antecipadamente, de Baudrillard, Adorno e Horkheimer afirmam o crescimento do poder dos grandes grupos económicos: a transformação do público da cultura em consumidor de produtos em série coloca-o numa posição de subordinação frente aos executivos da indústria cultural, que por sua vez estão subordinados aos sectores económicos mais poderosos.

Baudrillard e Foucault são pensadores vinculados à corrente teórica do Pós-estruturalismo, enquanto que as reflexões de Adorno e Horkheimer ficam evidenciadas desde a abertura do capítulo do livro Dialéctica do Esclarecimento dedicado à Indústria Cultural. No parágrafo inicial, os autores criticam aqueles que interpretam a sociedade capitalista afirmando a existência de uma fragmentação sócio-cultural. É exactamente esta afirmação que está presente nos trabalhos de Baudrillard e de Foucault. Para Baudrillard o social implodiu, enquanto que para Foucault ele é descentralizado. Rejeitando o conceito de fragmentação sócio-cultural, Adorno e Horkheimer argumentam que, “A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada sector é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto.”