quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Sobre a comunicação no sistema capitalista


A compreensão do caráter sistémico da produção cultural e dos processos comunicacionais da sociedade capitalista depende de uma reflexão que vá além da aparência, da manifestação superficial dos fenómenos sociais, buscando a lógica que os estrutura. Como se sabe, a dialéctica aparência/essência é enfaticamente rejeitada pelos teóricos do Pós-estruturalismo e pelos adeptos da Pós-modernidade de modo geral. De acordo com Adorno e Horkheimer, a fragmentação e a diferenciação, são características da aparência, da superfície dos bens produzidos na sociedade capitalista.

As distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A e B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, têm menos a ver com o seu conteúdo do que com sua utilidade para classificação, organização e computorização estatística dos consumidores. Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. O esquema do procedimento mostra-se no facto de que os produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre como a mesma coisa. A diferença entre a série Chrysler e a série General Motors é no fundo uma distinção ilusória, como já sabe toda criança interessada em modelos de automóveis. As vantagens e desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha.

A vigência actual do neo-liberalismo não é fruto do acaso, é uma consequência do grau de desenvolvimento alcançado pelas relações sociais capitalistas e pela própria indústria cultural. A crença de que o consumidor é o sujeito das actividades económicas, de que as empresas existem para satisfazer as suas necessidades, e devem fazer de tudo para manter a “fidelidade” dos seus “clientes”, já estava presente nos anos 40 do século XX, quando Adorno e Horkheimer publicaram a primeira edição de Dialéctica do Esclarecimento. Esta obra chamava já a atenção para a tendência da publicidade se tornar o principal veículo ideológico da sociedade capitalista. Hoje, esta tendência concretizou-se plenamente: com a total transformação da cultura e dos processos comunicacionais em mercadorias; a cultura e a comunicação passaram a ser dominadas pela linguagem criada para a venda dos “produtos”, a publicidade. O posicionamento da publicidade como o elemento principal da ideologia capitalista significa o esvaziamento (mas não a extinção) dos componentes não económicos da ideologia dominante. Ou seja, na sociedade contemporânea ideias políticas ou religiosas só sobrevivem na forma de “produtos” a serem “vendidos” com a utilização da linguagem publicitária. Passa a existir uma contradição entre as características específicas da linguagem política ou da linguagem religiosa e as características da linguagem publicitária. Não há a supressão das linguagens não publicitárias, mas a sua persistência numa condição subordinada.


Baudrillard por seu turno conclui em “Simulacros e Simulação”, que, “O que estamos a viver é a absorção de todos os modos de expressão virtuais no da publicidade. Todas as formas culturais originais, todas as linguagens determinadas absorvem-se neste por que não tem profundidade, é instantâneo e instantaneamente esquecido. Triunfo da forma superficial, mínimo denominador comum de todos os significados, grau zero do sentido, triunfo da entropia sobre todos os tropos possíveis.”

A teoria de Baudrillard está ancorada no pressuposto de que a sociedade capitalista se autodestrói pelo seu próprio crescimento (sem a intervenção de sujeitos sociais revolucionários): esta destruição já teria acontecido, o projecto moderno de planeamento e controle dos comportamentos sociais (das acções das massas) não funciona. A expansão da lógica mercantil significou o seu fim, a publicidade é incapaz de determinar o comportamento social e não é, nem nunca foi um meio de comunicação: não existem mais as classes sociais, nem dominantes nem dominadas. Somos todos massa, o social (controle) acabou.

Discordando, antecipadamente, de Baudrillard, Adorno e Horkheimer afirmam o crescimento do poder dos grandes grupos económicos: a transformação do público da cultura em consumidor de produtos em série coloca-o numa posição de subordinação frente aos executivos da indústria cultural, que por sua vez estão subordinados aos sectores económicos mais poderosos.

Baudrillard e Foucault são pensadores vinculados à corrente teórica do Pós-estruturalismo, enquanto que as reflexões de Adorno e Horkheimer ficam evidenciadas desde a abertura do capítulo do livro Dialéctica do Esclarecimento dedicado à Indústria Cultural. No parágrafo inicial, os autores criticam aqueles que interpretam a sociedade capitalista afirmando a existência de uma fragmentação sócio-cultural. É exactamente esta afirmação que está presente nos trabalhos de Baudrillard e de Foucault. Para Baudrillard o social implodiu, enquanto que para Foucault ele é descentralizado. Rejeitando o conceito de fragmentação sócio-cultural, Adorno e Horkheimer argumentam que, “A cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada sector é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto.”