segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Repositorium (A teoria do Signo)

Terá Augusto tido consciência de que ao mandar cunhar moedas com uma finalidade precisa de que acabava de criar o embrião da semiologia? Como podia o imperador romano, através das suas moedas, exprimir a sua satisfação pelo seu próprio papel, a sua adesão ao seu próprio programa político? E o imperador que representava a Pietas no reverso das suas moedas limitava-se a afirmar a sua religiosidade ou conseguia persuadir os destinatários?

A teoria do signo como mensagem intencional é a Semiologia da comunicação.


O estudo da linguagem nos sistemas de comunicação não-linguística, de que os sinais de trânsito, por exemplo, são uma recorrência nas obras de Semiologia, e marcando deliberadamente a diferença, entre o emissor que produz a mensagem e o receptor que a recebe, são o produto acabado dos estudiosos desta ciência.
Estará a função emotiva jakobsoniana ausente da cultura material enquanto mensagem, ou talvez o emissor não possa exprimir na cultura material o sentimento que o afecta?
Se o exemplo da moeda de Augusto nos deixa na dúvida sobre a capacidade emotiva e sobre o êxito injuntivo da mensagem que a cultura material transporta, outros exemplos confirmam que essa cultura pode eventualmente exprimir os sentimentos do emissor e comunicar de maneira persuasiva.

Todavia a mensagem é produzida num contexto, tem um conteúdo e recorre a signos, de que se serve de acordo com códigos. Os objectos, de que a cultura material se compõe, podem ser produzidos para transmitir mensagens. Tomando ainda como exemplo o caso da moeda romana emitida por Augusto (emissor) e destinada à população do Império (destinatária), e que foi produzida num contexto (o da paz social introduzida pelo Imperador, que pôs fim às guerras civis do fim da República), facilmente constatamos que esta tem um conteúdo e pretende transmitir uma mensagem clara: Augusto apresentado como pacificador. E fá-lo por meio de signos ou sinaléticas: apresenta a efígie do imperador no anverso e a figura alegórica da Pax no reverso.
O censor Ahenobarbus, encomendou um baixo-relevo – agora famoso – onde é possível ver Poseídon e Anfitrite no seu carro, acompanhados por centauros marinhos e nereides. Talvez o cortejo aluda simultaneamente a uma vitória naval do censor e à pretensão genealógica da família, que se considerava descendente de Poseídon; neste sentido, pode ser auto ou hetero-referencial, consoante o emissor fala de si ou de outrem (ou ainda de outra coisa).
É o que Jakobson designa por função emotiva da comunicação. E o emissor não pretende apenas informar, mas influenciar, persuadir, mobilizar o receptor, fazê-lo tomar uma atitude. É o que o mesmo autor, na sua teoria das funções da linguagem, designa por função conativa ou injuntiva. A linguagem pode ser modulada de modo a desvelar o sentimento do emissor e a provocar a reacção do receptor. Posso dizer “Aceito” em diversos tons ou com diversas ênfases, exprimindo alegria ou apenas conformação. E posso dizer “Aguarda-me” de modo mais ou menos imperativo, suscitando no outro receio ou curiosidade. Talvez, na comunicação por meio de signos não verbais, e com excepção feita ao domínio artístico, seja difícil ao emissor deixar transparecer ou modular a emoção.
Os signos/mensagens da cultura material são geralmente incapazes de exprimirem a emoção ou atitude do emissor.
Os signos têm assim um poder persuasivo, de tal forma que Paul Zanker pôde intitular uma das suas obras “The power of images in the age of Augustus” (na versão inglesa) e afirmar que “uma nova linguagem visual contribuiu significativamente para o processo de mudança da sociedade”.
Jakobson distingue ainda, na comunicação verbal, as funções fática, poética ou estética e metalinguística. Poderemos distinguir também estas funções na cultura material? Redimensionando os signos/mensagens, o emissor chama mais ou menos a atenção do receptor.
Nos finais da República e nos inícios do Império romano observa-se uma escalada na dimensão dos túmulos. Poderemos atribuir outro sentido a este sobredimensionamento ou exotismo dos túmulos, que não o de chamar a atenção para a mensagem que se pretendia transmitir, mensagem essa que era a comunicação da importância social ou do êxito económico que o morto tinha tido em vida? Os túmulos sobredimensionados constituíam um discurso hiperfrástico que tinha por função chamar a atenção.
A função poética é a arte de agradar – o homem não é apenas um homo loquens, que fala, mas um homo poeticus, no sentido de que é capaz de dar aos signos uma forma mais ou agradável. Talvez esta função se possa chamar também retórica, porque o esforço de agradar e um esforço para persuadir. Talvez a função poética de Jakobson sirva a função conativa ou injuntiva do mesmo autor.
Augusto, ao cunhar as suas moedas estava bem longe de saber que estava a criar um embrião de uma ciência da comunicação.