sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Repositorium (Jornalismo Regional. Parte II)


Nas últimas duas últimas décadas, assistimos a uma cada vez maior revalorização do papel da imprensa regional e local nomeadamente enquanto instrumento privilegiado na manutenção ou na reactivação de formas comunitárias pré-industriais, alternativas aos modelos de comunicação massificados; revitalização essa que conhece agora um enorme retrocesso já que os jornais e rádios locais estão a ser engolidos pelos grandes grupos económicos, que desta forma ficam com mais uma importante fatia de mercado no que concerne à venda de espaços publicitários, forma única de financiamento da imprensa regional. O apetite insaciável dos grandes grupos que controlam os media estão a colocar em causa a independência – ainda que precária – da imprensa regional, sujeitando-a a linhas editoriais duvidosas e sempre comprometidas com os poderes locais instituídos – é preciso dizer-se que a grande fatia do espaço publicitário vendido provém da chamada publicidade institucional – defraudando desta forma a expectativa do leitor, mas também do jornalista, obrigado pelas direcções a subtraírem informação e pior ainda, manipulando a informação!
É obrigatório que a Comunicação Social Regional mostre a sua especificidade em relação à sua congénere dita nacional (tarefa difícil se levarmos em linha de conta que a grande maioria já foi absorvida pelos grandes grupos de Lisboa) e, por isso, destaco alguns traços típicos do jornalismo pré-industrial que, no meu entender, ainda sobrevivem nalguns media regionais: a conexão escassa com a publicidade; uma relação forte entre as elites locais e os media; uma ênfase no artigo de opinião e na colaboração externa; a tendência para estruturar o discurso em torno de alguns assuntos recorrentes em torno dos quais se veiculam opiniões, debates e polémicas; o reconhecimento recíproco e partilhado por produtores e receptores quanto aos factos e realidades que servem de referências às mensagens jornalísticas.
A apologista de que os media regionais são um complemento aos nacionais e uma alternativa a um modelo massificado de comunicação, coloca a imprensa regional e local portuguesa num limiar onde a comunicação de massa e a comunicação interpessoal quase se confundem, vislumbrando-se nela – refiro-me aos poucos resistentes que ainda sobrevivem mantendo-se longe dos poderes instituídos – formas alternativas a uma comunicação social nacional, geralmente marcada pela virtualização dos públicos, pela massificação e pela cedência crescente às lógicas mercantis da informação-espectáculo. É certo que a imprensa regional escolhe o território como o lugar de realização do seu empenhamento editorial, cultural, discursivo, económico, resultando a sua especificidade do seu compromisso específico, do seu pacto comunicacional com um território que não pode deixar de repensar um recorte parcial de um espaço mais vasto”. Trata-se de um jornalístico de proximidade, fundamentalmente comprometido com a sua região e as suas gentes.
Não raras vezes, assistimos a tomadas de posição publicamente expressas em favor dos anseios das populações e contra os poderes instituídos. O Diário de Leiria” foi um bom exemplo do que acabo de afirmar quando tomou publicamente partido pelas posições do povo daquela localidade e não hesitou em assumir a causa da coincineração, transformando-a num acontecimento excepcional que mereceu o destaque na sua primeira página, durante quatorze edições consecutivas. É um exemplo do jornalismo próximo do cidadão: o jornalismo das causas, no qual o jornal se assume como um actor político incontornável e se mostra partidário, ainda que sem sigla definida. (Outros exemplos poderiam ser apontados, infelizmente cada vez em menor número)
Assim, se por um lado, o jornalismo regional tem a vantagem da proximidade com os seus leitores ou ouvintes, tomando partido das suas causas, por outro abandona de vez os cânones tradicionais do jornalismo, que dizem que o jornalista deve ser isento, objectivo e apartidário, não tomando nunca posição sobre aquilo que transmite e descreve; e bem. Essa retórica distorcida serve apenas os grandes interesses económicos, políticos e culturais, deformando a notícia, tornando-a inócua e prestando um péssimo serviço aos leitores. À imprensa regional cabe pois, um papel fracturante com os cânones ditados por Lisboa e por meia dúzia de instalados que fazem as regras neste sector. Vencer o medo da represália, propor alternativas, fazer um trabalho sério, desmistificar a falsa isenção, não compactuar com os poderes são as imposições do jornalismo regional.